Temer enaltece advocacia e Nelson Jobim, histórico político do STF

O Congresso Nacional das Sociedades de Advogados teve início nesta quarta-feira (9/11). No Hotel Tivoli Mofarrej, em São Paulo, juristas como o ex-presidente da República Michel Temer e o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim debateram o papel do Judiciário e do Direito em geral na preservação da democracia brasileira.


Temer e Jobim durante evento organizado por Cesa e Sinsa em São PauloConJur

O evento é organizado pelo Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) e pelo Sindicato das Sociedades de Advogados dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro (Sinsa). O tema central é “Advocacia do Amanhã: Democracia, ESG e Tecnologia”.

Atores do sistema
Temer ressaltou que os profissionais da área jurídica vivem da contestação, da mesma forma que a própria democracia. “Por isso, precisamos incentivar todos os advogados a participar ativamente da vida pública do país”, opinou o ex-presidente, que é advogado.

Em sua época como deputado federal, Temer participou da Assembleia Nacional Constituinte e foi o responsável pela inserção na Constituição de 1988 do artigo 133, uma das principais conquistas da advocacia. O dispositivo diz que “o advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”.

Ao longo de sua participação no evento, o ex-presidente destacou que, hoje em dia, há uma “necessidade inafastável”  de repetir obviedades sobre o sistema democrático, especialmente sobre a harmonia entre os poderes.

“Só tem autoridade quem tem poder. E quem tem poder é o povo”, disse Temer, para afirmar que a verdadeira autoridade da República é o povo. “As autoridades constituídas são secundárias e devem prestar a vontade do povo.”


Michel Temer, ex-presidente da RepúblicaMarcos Corrêa/PR

O ex-presidente ainda ressaltou o papel do STF de dizer “o que é lei e o que não é lei”, já que a corte decide se determinada lei é ou não constitucional.

Ele lembrou que “a jurisdição é inerte” e “só age se provocada”. Quem mais provoca — ou seja, quem mais aciona o Supremo — é o Legislativo. Segundo ele, “há certas questões das quais o Legislativo deveria cuidar. Mas, em face da sua própria inação e da provocação ao STF, quem acaba decidindo é o Supremo”.

Ao discutir as formas de controle de constitucionalidade, Temer validou a atuação dos ministros do STF ao abrir inquéritos como o das fake news. Ele recordou que tal medida é permitida pelo regimento da corte. “O sistema normativo não é estabelecido somente pelo texto constitucional, mas também pela legislação infraconstitucional”, apontou o ex-presidente. Tais normas garantem a possibilidade de regimentos próprios dos órgãos.

Justiça política
“Instituições jurídicas não nascem de estudos acadêmicos. Nascem de necessidades políticas.” Foi essa a conclusão apresentada por Jobim no congresso, após uma palestra sobre a história da evolução do sistema de Justiça no Brasil e no mundo.

O ministro aposentado do STF explicou que a Constituição de 1891 — a primeira da República — atribuiu competências legislativas aos estados e criou a Justiça estadual. A intenção era tirar do Rio de Janeiro a centralização do poder, que vinha da época do Império.

Para não se perder o poder da União, também foram alteradas as competências do STF. A corte passou a fiscalizar e fazer o controle de constitucionalidade somente das leis estaduais. A intenção era evitar que as controvérsias fossem decididas a partir da “prevalência da legislação estadual em detrimento da federal”.


Nelson Jobim, ministro aposentado
do Supremo Tribunal FederalAntônio Cruz/ABr

O controle de constitucionalidade das leis federais não demorou muito a surgir. Nas eleições de 1894, temia-se que o novo Congresso tivesse uma maioria monarquista — contrária, portanto, ao próprio regime recém-instaurado. Com isso, o governo estruturou a Justiça Federal. A ideia era “assegurar a vigência da Constituição republicana por sobre o Congresso”.

Ou seja, a Justiça Federal e o STF foram criados por motivos políticos, para enfrentar os monarquistas. “O Legislativo abriu mão de seus próprios poderes por necessidade política”, indicou Jobim.

Segundo ele, tal movimento foi repetido na Constituição de 1988, com a ação direta de inconstitucionalidade (ADI). Tal instrumento foi criado devido ao “medo do que poderia vir depois” — ou seja, era uma forma de questionar os próximos governos, já que ainda não se sabia o quão estável seria a democracia nacional.

Por fim, o ministro aposentado destacou que o STF, atualmente, sofre com o problema da “criminalização da política” — algo feito inclusive pelo Judiciário, com a “lava jato”. Segundo ele, “a política perdeu sua capacidade de compor conflitos e criar consensos”. Principalmente desde 2018, há, na política, “uma variável da intolerância e do ódio”, na qual adversários são tratados como inimigos. Com isso, os conflitos não são resolvidos e são levados ao STF, em um fenômeno de judicialização da política, que dá causa ao ativismo judicial.

Consequencialismo
Outra jurista que participou do evento foi Misabel Abreu Machado Derzi, professora titular de Direito Financeiro e Tributário da UFMG. Ela destacou os perigos do consequencialismo no Judiciário.


Misabel Derzi, professora da UFMGOAB

O consequencialismo jurídico é a ideia de que uma decisão deve ser avaliada a partir das suas possíveis consequências. Ou seja, o juiz deveria projetar possibilidades a partir de outros sistemas (não só as leis).

Segundo Misabel, o STF e as demais cortes precisam tomar cuidado com tal fenômeno, devido à insegurança que pode ser causada. Seria impossível projetar as consequências econômicas de uma decisão, por exemplo, porque “não existe unidade de pensamento entre os próprios economistas”.

“A decisão judicial traz implicações de toda natureza. Nós temos de considerar somente as consequências de causa; as que são implicações diretas da decisão. Não podemos projetar o que está fora das cortes.”

Assim como Temer, a professora destacou o papel da advocacia: “Se os advogados não continuarem protagonizando o devido processo legal, nossas cortes não serão representativas da democracia e do Estado democrático de Direito”.

Abertura
Antes do debate com Temer, Jobim e Misabel, houve a abertura do evento, com representantes de entidades da advocacia.

Um dos participantes foi Leonardo Sica, vice-presidente da OAB-SP. Ele ressaltou que “sociedades de advogados estão no centro das discussões sobre governança, integridade, transparência e diversidade”.


Congresso Nacional das Sociedades de Advogados é promovido nesta semana Divulgação

A presidente do Sinsa, Gisele da Silva Freire, expressou seu desejo de que “jovens advogados e advogadas defendam prerrogativas e equilíbrio entre maiorias e minorias”.

Lúcia Maria Bludeni, diretora da Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo (Caasp), explicou a atuação do órgão da OAB-SP. A Caasp presta assistência social e fornece auxílio aos advogados que necessitam. Não há finalidades lucrativas e o custeio é feito por meio das anuidades recolhidas. Além disso, há atividades como livrarias virtuais, serviços de farmácia a preços convidativos e consultórios odontológicos na sede e em algumas subseções.

Já Carlos Augusto Monteiro Nascimento, presidente Comissão Nacional de Sociedades de Advogados da OAB, listou os principais objetivos atuais da comissão: a implementação efetiva da uniformização de procedimentos e o aperfeiçoamento do Cadastro Nacional de Sociedade de Advogados.

Também participaram da abertura o presidente do Cesa, Gustavo Brigagão; a vice-presidente da entidade, Cristiane Romano; o presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Sydney Limeira Sanches; o presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), Renato de Mello Jorge Silveira; o presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), Mário Luiz Oliveira da Costa; e o presidente do Movimento de Defesa da Advocacia (MDA), Eduardo Perez Salusse.