Os irmãos Cristian Rofino, de 10 anos, e Higor Oliveira, de 19, sempre ficavam sozinhos nas aulas de educação física nas escolas do Capão Redondo, na zona sul. O mais novo possui deficiência visual enquanto o segundo, déficit intelectual. A falta de capacitação dos professores, a ausência de uma gestão inclusiva e as dúvidas dos colegas sobre a maneira de agir empurravam os dois para o canto da quadra. Os meninos começaram virar esse jogo na Escola Paralímpica de Esportes do Centro Paralímpico Brasileiro, em São Paulo.
Criado em 2018, o projeto inicia crianças e jovens de 7 a 17 anos com deficiências física, visual, intelectual ou Síndrome de Down em uma modalidade esportiva. Atualmente, são oferecidas gratuitamente aulas em 13 esportes que formam programa dos Jogos Paralímpicos. Os jovens atletas podem praticar todos os esportes ao longo de 1,5 ano e descobrir suas potencialidades com o auxílio de professores especializados. Na última fase, os alunos que se destacam são integrados às seleções de base de cada modalidade. Aqueles que não se tornarem atletas de alto rendimento podem continuar no programa. Hoje, cerca de 400 alunos estão inscritos.
“Infelizmente, cerca de 99% dos nossos alunos são dispensados das aulas de Educação Física nas escolas convencionais. A prática esportiva é importantíssima para a inclusão social e uma carreira. Ser um atleta paralímpico é uma profissão”, afirma Ramon Pereira, diretor de Desenvolvimento Esportivo do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). Ramos explica que o modelo da “escolinha”, como é carinhosamente chamada pelos alunos”, não fica restrito ao estado de São Paulo. Outros 39 centros esportivos de referência adotam o programa em todo o Brasil.
Cristian entrou no goalball, esporte baseado nas percepções tátil e auditiva das pessoas com deficiência visual, e passou no ano passado para o futebol de cegos. É onde mais gosta de estar. Higor começou no tênis de mesa e agora está na natação. Uma de suas grandes conquistas foi equilibrar uma bexiga cheia de ar em uma raquete, uma evolução na coordenação motora. A mãe, Cristiane Santana de Jesus, de 40 anos, conta que os irmãos se tornaram mais autônomos a ponto de preparar a mochila para as aulas (sem esquecer os remédios), arrumar a cama depois de acordar e lavar a louça do almoço ou do jantar.
O projeto também consegue garimpar campeões. Desde 2018, já foram quebrados oito recordes nacionais, em diversas modalidades, por alunos da escolinha. Além disso, 38 alunos foram convocados pelas seleções de base, principalmente atletismo e natação. Um desses talentos é João Pedro Santos. No ano passado, ele foi campeão brasileiro sub-17 nos 100m da classe T11 (atletas com deficiência visual), além de vice-campeão brasileiro adulto na mesma categoria. O melhor tempo do jovem de 15 anos foi 12s16. “O esporte mostra que a gente pode alcançar nossos objetivos, mesmo que sejam difíceis”, diz.
João nasceu com glaucoma e foi perdendo a visão entre os 8 e 9 anos. Em 2019, ele foi aconselhado por uma fisioterapeuta do Instituto Dorina Nowill, em São Paulo, especializado em atendimentos para cegos, a procurar uma prática esportiva. Foi então que ele descobriu o atletismo. No começo, a mãe, a dona de casa Lucineide Santos entendia o esporte como uma atividade capaz de ajudar o filho na nova – e desafiadora – etapa da vida. Agora, a dona de casa de 45 anos já sente o coração apertado com as primeiras sondagens para torneios internacionais. “A gente descobriu que o mundo não acabou com a perda da visão. Um mundo diferente se abriu. Ele achou um lugar e conquistou respeito”, diz Lucineide.
Aos 15 anos, Sabrina Marques vem se destacando na paraesgrima após um quadro de mielite transversa, inflamação que ocorre na medula espinhal e limita os movimentos dos membros inferiores. Ela conquistou a medalha de bronze no Campeonato Brasileiro em outubro do ano passado. Conheceu o esporte paralímpico por recomendação de sua fisioterapeuta aquática e, depois de passar pelo atletismo, ela conta que se achou na esgrima. “Essa é minha segunda competição de esgrima. Já pratiquei outras modalidades, mas, agora, sinto que encontrei o meu lugar no esporte”.
As crianças e adolescentes estão entre iguais na escolinha e isso faz uma grande diferença não só nos treinos e competições. Cristiane conta que os alunos perguntam sobre suas próprias deficiências, compartilham suas habilidades e definem como podem se ajudar. Cristian conheceu um amigo surdo no goalball, o Juliano, e começou a aprender a Língua Brasileira de Sinais (Libras) para se comunicarem melhor. Alunos de outras modalidades contam que fizeram amigos e são chamados para festas de aniversário, por exemplo, algo raro nos locais onde moram. “A atividade física é uma das ferramentas de inclusão social. Eles têm sua independência e sua voz no ambiente esportivo e isso se reflete também no ambiente social”, diz Ramon.
Eles também já elegeram ídolos que são como eles. Mizael Conrado, bicampeão paralímpico no futebol de 5 e hoje presidente do CPB, é um nome recorrente entre os nomes que inspiram meninos e meninas. Cristian conhece Pelé e Neymar, mas prefere Romário, Leomon e Parazinho, campeões paralímpicos de goalball nos Jogos do Tóquio 2020.
SERVIÇO
- Escola Paralímpica do Centro Paralímpico Brasileiro (CPB)
- Inscrições abertas – Aulas gratuitas
- Local: Rodovia dos Imigrantes, 11,5 km – Vila Guarani
- Quem: Crianças e jovens de 7 a 17 anos com deficiência física, visual, intelectual (F70 ao F79) e Sínndrome de Down.
- Telefone: (11) 4710-4216.
- Modalidades: atletismo, badminton, bocha, esgrima em cadeira de rodas, futebol de cegos, goalball, halterofilismo, judô, natação, tênis de mesa, tiro com arco, triatlo e vôlei sentado
- Dias: turmas às segundas e quartas-feiras e terças e quintas-feiras
- Horário: 14h às 15h30 e 16h às 17h30
- Transporte: vans em pontos estratégicos das zonas leste, oeste, sul e norte da capital