Chamem os empresários

José Renato Nalini. FOTO: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

A empresa foi a instituição mais resiliente no século XX e continua a sê-lo em nossos dias. Sofre as vicissitudes impostas à iniciativa privada. A insegurança jurídica, o menosprezo do Estado, uma das mais iníquas tributações da face da Terra, os humores do mercado com sua mão invisível, mas nem tanto.

Hoje, ela está sendo chamada a suprir a falta de credibilidade das instituições políticas. Um Estado que cresceu em demasia, prometeu atender a todas as necessidades e a todos os anseios da cidadania, acenou com uma infinita cornucópia de direitos, até o direito à felicidade, não deu conta e se viu impotente para satisfazer as aspirações coletivas.

A descrença na Democracia Representativa não decorre só dessa incapacidade estatal. Os próprios políticos, ao se profissionalizarem, deixaram margem a uma apreensão de parte dos eleitores. A cada eleição os projetos, as juras de que o interesse público será atendido. Passada a apuração, prevalece a busca dos próprios objetivos.

Outro flagelo da Democracia Representativa é a reeleição. Mostrou-se perniciosa para uma nação imatura, em estágio de desenvolvimento atrasado ou na condição de país periférico. No primeiro dia do primeiro mandato, já se começa a trabalhar pela provável possibilidade de mais uma gestão. E o bem comum cede espaço para o trator do toma-lá-dá-cá, que garante a continuidade daquele que atende aos pleitos paroquiais. Costuma-se chamar isso de “governo de coalizão”, embora a experiência possa mostrar que existe é um “governo de colisão”. Trombadas e turbulências quando o jogo dos interesses não consegue atender a todos os apetites. E os políticos profissionais são famélicos. Nunca se sentem completamente saciados.

Tudo isso mostra que a empresa é a esperança de um mundo melhor, a começar por uma cidade melhor, um Estado melhor, um país melhor. Isso porque a empresa percebeu que o seu negócio não é apenas o lucro. Este é legítimo, é o que estimula o empreendedor a se aventurar na procura de fornecer produto ou serviço desejável, que responda a uma necessidade do indivíduo, da família e da sociedade. Mas a empresa, em regra, não é sujeita à volatilidade de comando. Não depende de eleições periódicas. Tem estrutura organizacional adequada e passou a cultivar, nas últimas décadas, valores éticos e solidários.

O descompasso dos governos com as deficiências de todas as sociedades fez com que a empresa viesse a assumir compromissos muito consistentes. É o que se chama “responsabilidade social”, que hoje tem de atender também a critérios ambientais e de governança corporativa. A tríade ESG inspira toda a participação empresarial na formatação de uma nova sociedade. Mais atenta ao que se faz contra a natureza, seja governo, seja particulares. Prestimosa ao procurar reduzir com as desigualdades, pois sabe que apenas uma sociedade capaz de consumir é que faz funcionar o verdadeiro progresso, que tem de ser – antes de tudo – um progresso moral.

Elas perceberam que “os rumos da economia global não são mais ditados pelo Estado, mas sim pelos detentores do capital econômico especulativo. O Estado, neste sentido, apenas observa enquanto as grandes decisões são tomadas em qualquer parte do globo pelos verdadeiros atores globais: as Empresas Transnacionais e o mercado financeiro”, na visão de Diogo Vailatti.

Quando assimilam as carências do cenário em que atuam, as empresas percebem que o governo não é capaz de proteger o maior patrimônio com que pode contar uma Nação: a sua floresta, a sua água, o tesouro de sua exuberante biodiversidade. E então ela trata de suprir a omissão – às vezes até a perversa política estatal contrária à natureza – para reduzir os males do impacto ecológico produzido pelo mau uso da natureza.

É o que se assiste hoje no Brasil, considerado pária do mundo pelo que tem feito na Amazônia, no cerrado, no Pantanal, na Mata Atlântica e em outros biomas. As empresas estão respondendo ao chamado internacional e cuidando de minorar a nefasta omissão e atuação inclemente do governo, adotando a política ESG para valer. Atuam em rede, com estratégia institucional singular e paradigmática. Deveriam ser observadas e seguidas pelo governo. A comunicação institucional está funcionando, conforme a recomendação de Paulo Nassar em “Tudo é Comunicação”. Uma bem organizada equipe de relacionamentos institucionais substitui a falta de confiabilidade do governo e consegue coordenar as demandas sociais, estimulando a participação cidadã e do Terceiro Setor em pautas urgentes. Mais urgentes ainda, em razão da pandemia, que escancarou nossas misérias. Em todos os níveis, em todas as esferas.

Vamos chamar os empresários, que sobreviveram às intempéries, para nos ajudar a sair desta tragédia.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022