A proposta de votações secretas pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) apresentada nesta terça-feira (5) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi questionada por especialistas. Ouvido pelo Brasil de Fato, o advogado Nuredin Ahmad Allan, integrante da executiva nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), disse que a ideia representaria “claramente um retrocesso”.
Lula fez a sugestão durante o programa Conversa com o Presidente, realizado pela comunicação de governo. Entrevistado pelo jornalista Marcos Uchôa em companhia do ministro da Educação, Camilo Santana, Lula disse que “se pudesse dar um conselho”, seria pela votação secreta. O objetivo, segundo o presidente, seria diminuir riscos à integridade dos próprios ministros do Supremo.
“Para a gente não criar animosidade, acho que era preciso começar a pensar se não é o jeito de a gente mudar o que está acontecendo no Brasil. Do jeito que vai, daqui a pouco um ministro da Suprema Corte não pode mais sair na rua, não pode mais passear com a sua família, porque tem um cara que não gostou de uma decisão dele”, disse.
Nuredin Ahmad Allan disse que a democracia depende de transparência, que o poder econômico exerce muita pressão sobre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, e, por isso, é importante que os agentes do poder se responsabilizem por suas decisões – mesmo que sejam posições juridicamente defensáveis.
“Isso é uma conquista democrática da sociedade moderna: compreender diferente é retomar modelos absolutamente ultrapassados. Não me parece que possa haver justificativa plausível para que isso seja defendido no ordenamento político, jurídico, constitucional. No modelo de sociedade que nós pretendemos, que nós desejamos, isso não pode ter espaço”, afirmou o advogado.
O jurista Jorge Luiz Souto Maior, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15º Região e professor de Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), fez críticas contundentes à fala do presidente e disse que o discurso foi “inapropriado”.
“A garantia básica da cidadania, conferida pelo Estado de Direito, é a publicidade dos atos jurisdicionais e a fundamentação das decisões, para que ninguém sofra a coerção do Estado sem a instauração do ‘devido processo legal’, estabelecendo-se, inclusive, uma estruturação de responsabilidades na qual se integram, sobretudo, aqueles a quem a sociedade outorga poderes. Os poderes exercidos por magistrados, chefes do Executivo ou legisladores não são absolutos, até porque o absolutismo é precisamente o regime superado pela ordem democrática. No Estado de Direito esses profissionais exercem sua função em conformidade com os limites estabelecidos na ordem jurídica”, escreveu em seu blog.
Quem também criticou a proposta de Lula foi o ex-ministro do STF Marco Aurélio Mello. Aposentado em 2021 após completar 31 anos no cargo, ele foi ouvido pela CNN Brasil e disse que Lula cometeu um “ato falho” ao falar sobre o tema.
“A tônica da administração pública é a publicidade. É o que revela a prestação de contas aos contribuintes passo a passo e o acompanhamento pela grande imprensa. O Judiciário é espécie do gênero administração publica. Não há, portanto, como cogitar-se de mistério”, disse o ex-ministro.
‘Não seria factível’
Ao Brasil de Fato, Nuredin Ahmad Allan disse que o ordenamento jurídico do país não permitiria que a proposta fosse levada adiante. O especialista lembra que há diversos pressupostos constitucionais que falam sobre a publicidade de atos e a transparência.
“Não seria algo factível dentro do ordenamento que existe hoje no Brasil, e também digo que não seria aconselhável. A transparência das decisões e das conduções é fundamental para que a gente alce uma condição de um país com nível de democracia elevado”, destacou.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, consultado sobre o tema, disse que vê que o debate como “válido”, mas que não é algo “para amanhã”. Ao jornal O Globo, o ministro disse ainda que o Brasil poderia se espelhar na Suprema Corte dos Estados Unidos.
“Na verdade há um debate posto no mundo sobre a forma dos Tribunais Supremos deliberarem. Temos uma referência na Suprema Corte dos Estados Unidos, que delibera assim. Ela delibera a partir dos votos individuais e é comunicada a posição da Corte e não a posição individual deste ou daquele juiz”, disse o ministro ao jornal.
Para Allan, as comparações entre sistemas jurídicos de países distintos, forjados de maneiras diferentes, são “delicadas e complicadas”. Ele lembra, por exemplo, que nos Estados Unidos, o lobby político é feito de maneira aberta, sob regulamentação, ao contrário do que acontece no Brasil.
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“Essa comparação de casos, de maneira mais objetiva ou de maneira mais simplista, não me parece razoável e adequado. Eu não posso pegar esses essas duas Supremas Cortes e fazer comparativos como se elas estivessem ao final ou no topo de uma cadeia de um sistema organicamente construído da mesma forma. São sistemas construídos de forma absolutamente diferentes”, encerrou.
Edição: Thalita Pires