Publicado em: 9 de novembro de 2022
Promotoria instaurou inquérito para apurar eventuais ilegalidades de circular que proibiu repentinamente coletivos movidos a diesel na capital paulista
ADAMO BAZANI
Ouça na íntegra aqui:
O Ministério Publico de São Paulo, que instaurou um inquérito para investigar a circular da SPTrans (São Paulo Transporte) que repentinamente proibiu novos ônibus a diesel no sistema de linhas da capital paulista, quer explicações da ENEL sobre o anúncio nesta terça-feira (08) pela prefeitura para a viabilização da meta de 2,6 mil coletivos elétricos até 2024.
A informação é do promotor Paulo Destro, da promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, em entrevista ao Diário do Transporte na tarde desta quarta-feira, 09 de novembro de 2022.
Como mostrou a reportagem, o anúncio foi feito pela prefeitura de São Paulo e pelo presidente da Câmara Municipal, Milton Leite.
Relembre:
Para cumprir a meta anunciada pelo prefeito Ricardo Nunes de incluir 2,6 mil ônibus até o fim de 2024, o mercado estima que serão necessários R$ 8 bilhões, sendo cerca de R$ 3 milhões por ônibus mais o custo unitário ponderado de infraestrutura e inclusão de tecnologias necessárias.
“Na data de hoje (quarta-feira, 09 de novembro de 2022) foi expedido um ofício para a ENEL solicitando informações quanto ao financiamento de R$ 8 bilhões e a empresa tem um prazo de 30 dias para encaminhar estas informações ao Ministério Público.” – explicou o promotor.
De acordo com nota da prefeitura, o evento desta terça-feira (08) mostrou a “intenção da multinacional em participar ativamente do processo de troca dos atuais veículos movidos a diesel por modelos elétricos, de acordo com as tecnologias definidas pelos padrões técnicos da SP Trans. A ideia é que a Enel X auxilie as empresas em questões logísticas, de infraestrutura e na viabilização de veículos elétricos, por meio de um modelo de negócio que reflita a experiência do grupo na América Latina.”
O promotor, ainda no âmbito da investigação, pediu ao TCM (Tribunal de Contas do Município) a realização de uma auditoria para verificar os impactos nos custos sistema de ônibus provocados pela circular da SPTrans que proibiu os novos coletivos a diesel.
“O Ministério Público solicitou auditoria para fins de análise contábil nas planilhas de custo de cada uma destas empresas de ônibus junto ao Tribunal de Contas do Município de São Paulo” – disse o promotor Paulo Destro.
Em 15 de outubro de 2022, em primeira mão, o Diário do Transporte revelou que um dia antes foi enviada uma circular às companhias de ônibus proibindo os novos veículos a diesel no sistema da capital paulista a partir do dia 17. Os ônibus a diesel em circulação podem rodar até o fim da vida útil.
Relembre:
O MP quer saber os impactos da medida aos cofres públicos, inclusive se haverá risco de ampliação dos valores de subsídios ao sistema de ônibus, que já ultrapassou os R$ 4 bilhões no início de novembro.
O promotor ainda questiona a legalidade da proibição dos ônibus a diesel por diversos fatores. Um deles porque a medida foi imposta pela SPTrans (São Paulo Transporte) por meio de uma mera circular, que nem trazia nome de responsável. Apenas algo parecido com uma assinatura ou rubrica e um departamento da SPTrans.
Além disso, a chamada Lei de Mudanças Climáticas e os contratos com as empresas de ônibus estabelecem metas de redução de poluentes, de forma gradativa, e não impedem a inclusão de nenhum tipo de veículo, nem a diesel, como impõe a circular.
“O processo de substituição por veículos e tecnologias mais limpas dar-se-á de maneira natural, conforme prevê a lei municipal, e não de maneira açodada conforme determinação de proibição de compra pelo prefeito Ricardo Nunes. A substituição dos veículos e tecnologias ocorrerão naturalmente na renovação da frota, quando os ônibus atuais chegarem ao fim da vida útil” – disse
Ainda de acordo o promotor, será investigado o fato de o COMFROTA (Comitê Gestor do Programa de Acompanhamento da Substituição de Frota por Alternativas Mais Limpas, da Secretaria de Mudanças Climáticas) da cidade não ter conhecimento da circular e da determinação repentina da prefeitura.
O promotor ainda destacou que a lei municipal sobre a descarbonização da frota do transporte público não prevê a meta anunciada reiteradas vezes pela prefeitura de ter até o fim de 2024 o número de 2,6 mil ônibus elétricos em operação.
Paulo Destro diz ainda que o MP quer saber se estão sendo consideradas pela prefeitura outras alternativas menos poluentes além de modelos elétricos, como ônibus a gás natural ou fontes que provoquem menos impactos ambientais.
O promotor ressaltou que o Ministério Público não é contra ônibus elétricos ou contra a redução de poluição, mas que tem o dever de apurar primeiramente se essa medida de proibir os ônibus diesel por uma circular é legal do ponto de vista jurídico e se respeita os cofres públicos, uma vez que os subsídios ao sistema de transporte municipais já estão bastante altos.
PROMESSA DE 2,6 MIL ÔNIBUS ELÉTRICOS ATÉ O FIM DE 2024
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes tem citado em várias oportunidades a promessa de que até o fim de 2024, a capital paulista terá ao menos 2,6 mil ônibus elétricos operando nas linhas municipais.
Empresas de ônibus apontam algumas dificuldades, como infraestrutura nas garagens, tempo de recarga e autonomia das baterias, além do custo de aquisição que pode ser até o triplo em comparação a um modelo do mesmo porte a diesel.
O diretor de Operações da SPTrans, Wagner Chagas Alves, disse em novembro de 2021, durante a apresentação de um novo modelo de ônibus elétrico, que a gestão estuda alternativas para as viações atenderem a meta e o leasing é uma delas.
“Questão do leasing está aventada como outras opções. Por enquanto, não risco de atraso de ter os 2600, pois a meta contratual não pode ser desconsiderada”
Relembre:
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Segundo a prefeitura, o programa de metas prevê que 20% da frota seja composta por ônibus elétricos até o fim de 2024, como parte das ações municipais para cumprimento da Lei de Mudanças Climáticas, que prevê a redução da emissão de gás carbônico fóssil em 50% até 2028 e a erradicação deste tipo de poluente até 2038.
Os contratos com as empresas de ônibus, assinados em setembro de 2019, também preveem uma frota menos poluente, mas não estipula a tecnologia que os coletivos devem ter, trazendo metas anuais de redução de poluição.
Estas metas, inclusive, foram suspensas entre 2020 e 2022 por causa da pandemia de covid-19, que afetou a demanda de passageiros e o ritmo de atividades das indústrias de veículos.
MENOS DE 2% DE ÔNIBUS ELÉTRICOS:
Atualmente, de acordo com os indicadores da SPTrans, a cidade de São Paulo tem uma frota contratada de 13.806 ônibus de diferentes portes.
Apenas 219 são não poluentes na operação, ou seja, menos de 2%; sendo 19 elétricos à bateria, operados pela Transwolff na zona Sul; e 201 trólebus (conectados à rede área), da Ambiental Transportes (Consórcio TransVida), que ligam a zona leste ao centro e parte das zonas Oeste e Sudeste.
CORREDORES:
Como mostrou o Diário do Transporte, em 05 de novembro de 2021, durante anúncio de parceria do Estado de São Paulo e da Prefeitura em investimentos em mobilidade, o prefeito Ricardo Nunes e o então governador João Doria disseram que os novos corredores de ônibus da cidade serão servidos apenas por modelos elétricos.
Relembre:
OUÇA: Novos corredores de ônibus de São Paulo serão operados com ônibus elétricos, diz Doria
O Plano de Mobilidade Urbana da Cidade prevê 27 obras que totalizam mais de R$ 5,5 bilhões, entre a implantação de 11 novos corredores de ônibus, o que representa mais de 95 km de novas vias, 30 km de requalificação de corredores já existentes, além da construção de quatro novos terminais.
Relembre:
CENÁRIO DA INDÚSTRIA:
Apesar de os veículos elétricos também serem impactados pela falta de insumos e equipamentos, como também ocorre com automóveis a combustão, a demanda pelos modelos não poluentes tem aumentado.
No Brasil, já existem opções de produtos em plena atividade, algumas que apresentarão modelos e outras que estão se estabelecendo (por ordem alfabética):
BYD: Indústria de origem chinesa, com planta em Campinas (SP), que fabrica ônibus elétricos de diversos portes: micros, padrons e articulados, além de rodoviários, produzindo as baterias, tecnologia e chassis. Está entre as maiores produtoras mundiais na área de mobilidade elétrica e produz também no Brasil placas de energia solar. Existem diversas cidades que operam com ônibus BYD no Brasil, inclusive São Paulo.
CaetanoBus: A empresa portuguesa CaetanoBus trouxe para testes no sistema de transportes da cidade de São Paulo o chassi e.CC 100 C5845 E.E, 100% elétrico. O modelo recebeu carroceria Caio, de produção brasileira. O e.CC 100 pode ser receber carrocerias de comprimento mínimo de 9.5 metros e máximo de 12.7metros.
Eletra: Indústria 100% nacional, do Grupo ABC/Next Mobilidade, com planta em São Bernardo do Campo (SP). A empresa foi inaugurada oficialmente no dia 22 de agosto de 2000. Faz toda a integração e tecnologia para ônibus elétricos à bateria, trólebus, híbridos (motores elétricos e à combustão no mesmo veículo), Dual Bus (mais de um tipo de tração elétrica em mesmo ônibus, por exemplo: trólebus+baterias ou baterias+híbridos). Não produz os chassis e baterias. O BRT-ABC, entre São Bernardo do Campo e São Paulo, é uma concessão à Next Mobilidade terá ônibus 100% elétricos de 22 metros cada com tecnologia Eletra, chassis Mercedes-Benz e carroceria Caio. A Eletra anunciou para 2022 cinco tipos de ônibus elétricos para carrocerias com 10 m, 12,5 m, 12, 8 m ,15 m e 21,5 m. Ainda em 2022, para o BRT-ABC, a Eletra anunciou também o E-Trol, um veículo de 21,5 metros, com chassi Mercedes-Benz, que em parte do trajeto vai operar como trolébus e em outra parte, como ônibus elétrico a bateria. De acordo com presidente da Eletra, Milena Braga Romano, o corredor terá trechos com rede aérea como a dos trolébus. Enquanto estiver operando nesses trechos, o veículo carrega as baterias. Nos trechos sem a rede aérea, o funcionamento é com o banco de baterias já carregado.
Segundo a diretora comercial da Eletra, Ieda Oliveira, entre as vantagens é que não haverá necessidade de carregamento dos ônibus nas garagens, dispensando as caras estruturas de recarga.
Higer: Empresa de origem chinesa que apresentou um modelo elétrico de ônibus padron neste mês de novembro de 2021 na capital paulista. Um modelo de 12 metros de comprimento está sendo testado e passou por cidades como São Paulo, Rio de Janeiros, Curitiba e São José dos Campos. Diz que trará ao Brasil também vans, ônibus articulados elétricos. Apresentou também um ônibus de fretamento com baterias. Os modelos são monoblocos (chassi, motores e carroceria formando um bloco só).
Marcopolo: Tradicional fabricante de carrocerias de Caxias do Sul (RS), testou em parceria com a empresa Suzantur, operadora de transportes de Santo André (SP), um ônibus 100% elétrico, projeto integral da Marcopolo. O modelo é padron com piso baixo. O veículo circulou sem passageiros entre o Terminal Vila Luzita (bairro populoso de Santo André) e o terminal principal da cidade no centro (Terminal Santo André Oeste). Já homologado, o modelo está sendo comercializado.
Mercedes-Benz: A gigante alemã lançou em 25 de agosto de 2021 o chassi de ônibus elétricos eO500U, de piso baixo, para carrocerias de até 13,2 metros, justamente os padrões de São Paulo. O modelo será produzido em São Bernardo do Campo (SP) e em 2022 já serão vistas as primeiras unidades. Para a capital paulista, já há um mercado previsto para ser iniciado com cerca de 150 unidades com carroceria Caio. A empresa planeja lançar em breve ônibus articulados e superarticulados.
Volvo: A gigante sueca produz em Curitiba (PR) um modelo de ônibus elétrico híbrido. O ônibus tem um motor a combustão, que gera energia, e o elétrico que atua na maior parte da tração. A tecnologia é híbrida paralela, quando o ônibus está parado, freia e até 20 km/h a atuação é do motor elétrico. A partir de 20 km/h, entra em operação o motor a combustão. Há unidades em circulação em Curitiba, Foz do Iguaçu e Santo André (Suzantur), por exemplo. Em agosto de 2022, a Volvo apresentou seu primeiro chassi de ônibus totalmente elétrico para exibição no Brasil, o BZL. Não havia até então previsão de o veículo ser comercializado no Brasil. Com zero emissões, o Volvo BZL pode ser equipado com 3 a 5 baterias de lítio níquel cobalto óxido de alumínio (NCA) de 94kWh cada, dependendo da aplicação a que for destinado
Scania: Não descarta a produção de elétricos, mas investe na tecnologia de ônibus a gás natural e biometano.
Volkswagen: Em 2018, a Volkswagen apresentou um modelo de médio porte elétrico, o e-Flex com um sistema pode aliar diferentes formas de recarga e abastecimento para ônibus elétricos. Um pequeno motor à combustão gera energia para o elétrico, sendo um propulsor 1.4 turbinado flex de 150 cv de potência. Em novembro de 2018, a montadora prometeu que o modelo já estaria nas ruas em seis meses, o que não aconteceu. Um ano antes, em 2017, a Volkswagen anunciou que a partir do chassi do caminhão 100% elétrico e-Delivery, desenvolveria um micro-ônibus de 11 toneladas elétrico, o que ainda não se concretizou.
Iveco: Em agosto de 2022, a Iveco apresentou um modelo a gás natural/biometano, o 17.210G, para carrocerias de até 12 metros. O ônibus possui seis cilindros a gás, 80 litros cada um, que oferece autonomia de 250 quilômetros. Foi mostrado, mas não para o mercado nacional, apenas como conceito, ônibus elétrico Iveco E WAY, de 20 toneladas.
O modelo, é um monobloco de 12 metros, piso baixo total, com oito packs de bateria. A autonomia é de 300 quilômetros, aproximadamente.
O elétrico não será comercializado, inicialmente, no Brasil e a Iveco pretende oferecer para o mercado brasileiro chassi elétrico para encarroçamento de fabricantes locais.
Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes
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